Luzia-Homem
É exagero chamar Domingos Olímpio de naturalista
Não fosse seu final de péssimo
gosto, forçado e que vale por um compêndio dos piores defeitos do Romantismo
tardio, Luzia-Homem (1903) poderia
ser considerado uma das melhores realizações do que na historiografia de nossa ficção
ainda passa por Naturalismo. A figuração do Ceará durante a terrível seca de
1877, que serve como cenário ao incongruente drama amoroso da protagonista, contém
os elementos essenciais para um retrato pungente daquele flagelo: as cenas chocantes
de fome e degradação humana que em pleno século XX ainda foram a síntese do
imaginário nacional sobre a região Nordeste, ultimamente retocada, “pós-modernamente”,
por reportagens mostrando jegues abandonados ao longo das estradas, efeito
perverso do crédito facilitado para a compra de motocicletas, ou neocoronéis viajando
em jatos da FAB para fazer implante de cabelo.
Única obra importante de Domingos
Olímpio, o romance tem grandes
qualidades em termos de técnica narrativa, reprodução do falar sertanejo e caracterização
realista da paisagem e dos costumes regionais. Pouco ou nada justifica, porém,
sua classificação como romance naturalista: a tese que nele se pode achar – de
que a miséria tende a deprimir o senso moral dos flagelados – é bastante mais
antiga que o Determinismo de Hippolyte Taine, informador do Naturalismo
praticado no Brasil tanto quanto a teoria do “romance experimental” formulada
por Zola.
Em meio ao flagelo da seca, o que persiste
é o velho maniqueísmo romântico: o soldado Crapiúna não é apenas libidinoso, é
um “monstro” de malvadeza, enquanto Teresinha, a moça prostituída que algum
crítico achou de chamar “anjo enlameado”, revela caráter heroico o bastante
para redimir-se pela autopunição. Mas Luzia-Homem, cujo apelido se justifica
por desempenhos másculos como agarrar um touro pelos chifres, é o protótipo da
heroína de folhetim, por mais que a certa altura o narrador ensaie atribuir-lhe
um despertar dos instintos animais. Então o livro começa a desandar, porque a
donzela dotada de um quase-bigode vai-se tornando inverossímil mocinha
apaixonada e submissa. Seu “amado” Alexandre, injustamente preso por um furto
que não cometeu, é também perfeito exemplo de caráter inabalável.
O relato cumpre muito bem a
elementar tarefa de manter o leitor interessado, apesar de conter enxertos
desnecessários, especialmente duas anedotas contadas pelo coadjunvante Raulino.
Mas, infelizmente, o hábil ritmo narrativo de Luzia-Homem é quebrado – não por “defeito da escola” naturalista,
como chegou a opinar Afrânio Coutinho, e sim pelos cacoetes idealizantes do
Romantismo.
Eloésio Paulo
https://eloesiopaulo.blogspot.com/
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