Hóspede
As coordenadas domésticas do adultério
segundo Mallet
Hóspede
(1887), de Pardal Mallet, é daquelas obras que acabam injustamente esquecidas
pela historiografia da literatura. Não é um romance ruim, apenas foi escrito em
pinceladas rápidas, como se o autor tivesse pouca paciência para a “pintura”
das cenas, resultado de uma tendência à abstração que o impediu de concretizar os
personagens de maneira mais acessível à imaginação do leitor.
Mallet era figura de proa da intelectualidade
brasileira no final do século XIX. Sua obra foi curta como a vida, encerrada
pela tuberculose antes dos 30 anos. Escreveu também um livro de contos e outro
romance, O lar.
O enredo de Hóspede,
dividido em 30 capítulos curtos, é simples e se volta para o principal interesse
do autor como ficcionista: a vida doméstica. Marcondes, personagem principal, é
um rapaz recém-formado em Direito que é convidado a passar alguns dias na casa
de Pedro, antigo colega de escola, agora funcionário público e marido sensaborão. Ocorre que Pedro tem uma
mulher sexualmente apetitosa e entediada com a vida doméstica. O resto é fácil
de imaginar, certo?
Errado. O adultério não ocorre, fica somente nas
intenções, tanto de Marcondes como da bonita Nenê. Os movimentos que precedem e
os que se seguem à traição frustrada do casamento e da amizade são, no livro, quase
tudo; Mallet analisa com habilidade as sutilezas psicológicas (e sobretudo a
dubiedade dos caracteres) que tornam o cotidiano familiar do amigo, tão
invejado pelo Don Juan falhado, um exemplo da carência de verdade que subjaz à
ideologia burguesa. Algo de Eça de Queirós aclimatado ao Rio finissecular, mas a
meias-tintas.
Um ingrediente, sobretudo, deixa à mostra certo
descuido da parte do romancista, de cujo contato com o Naturalismo há frágeis
ecos na justificação do clima erótico que envolve a prática musical de Marcondes
e Nenê. É que certa vez o protagonista desfruta burocraticamente dos favores
sexuais de Marocas, a criada, mas esta se comporta no episódio quase como uma
boneca inflável, e depois não fica claro se a frequentação do hóspede continua
a ocorrer na mesma base desse contato inicial. Marocas se presta a informante
sobre as conversas da família, mas o leitor não fica sabendo se, como e por que
ela continua prestando-se ao desfrute.
Hóspede,
mesmo não sendo um grande romance, é melhor do que muita ficção que se publica
hoje em dia no Brasil. Vale a pena conhecer o livro de Mallet como curiosidade
e porque é uma leitura prazerosa. Haverá quem encontre nele um bom tema de
pesquisa sobre a falta de sentido que se esconde debaixo do tapete das famílias
exemplares.
Eloésio Paulo
https://eloesiopaulo.blogspot.com/
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