As minas de prata
O
maior romance de Alencar: chatice garantida
O
arremedo de aristocracia que, a ter existido na Bahia do século XVII como o
descreve José de Alencar em As minas de
prata (1865/6), só poderia ser ridículo em contraste com a precariedade do
estabelecimento colonial, já começa a tornar o romance problemático. A
princípio se tem a impressão de que essa sequência de O guarani (1857) poderia ser a grande obra do ficcionista, pois a
ambientação soa muito convincente e o enredo se mostra ágil, contendo até mesmo
passagens engraçadas, que sabemos não serem o forte da obra alencariana.
Mas
a ambição desmedida do autor degenera o romance em eloquente contraprova da
inviabilidade de compor-se uma tragédia a partir de valores burgueses. A
solenidade das falas em segunda pessoa do plural – até quando o falante é um
escravo – acaba no erro gramatical, a pompa verbal se desmente no prosaísmo das
tentativas forçadas de poetizar discursos. O enredo, cortados dois terços das
mais de 800 páginas, seria agradável com suas incríveis reviravoltas – o garoto
insolente que vira o mais caviloso dos jesuítas, a noiva morta que renasce com uma
poção dada por sua adversária no amor etc.
Os
personagens principais são Estácio e Inesita. Ele é pobre, embora de origem
ilustre; ela, filha de um fidalgo espanhol (o Brasil era colônia “indireta” da
Espanha, pois estamos na época da união das coroas ibéricas). Armou-se já o
grande drama, o orgulhoso pai não permitirá o casamento da filha com alguém de
condição inferior. Ocorre que Estácio é herdeiro do famoso roteiro das minas de
prata descobertas por seu pai, Robério Dias, e pela posse desse documento
passará toda a segunda parte do romance em peripécias contra o jesuíta Gusmão
de Molina. Em torno desse conflito gravita um numeroso séquito de personagens,
com destaque para o melhor amigo do herói, que é Cristóvão, o qual também vive
uma renhida luta para conseguir unir-se a sua amada Elvira, cuja mãe a prefere
freira.
Não
é estranho alguém fazer, em pleno século XIX, um romance com valores típicos da
época barroca. Porém, quando Garrett e Herculano fizeram isso, respectivamente
na peça Frei Luís de Sousa e no
romance Eurico, o presbítero,
dominavam melhor os recursos exigidos para transpor a tragédia clássica a
formas literárias mais modernas. Alencar, infelizmente, malversou seu invejável
talento de ficcionista numa obra muito irregular, cujos altos são menos
numerosos que os baixos, entre os quais se contam inverossimilhanças como um
cavalo a galope demorar quatro horas para percorrer 24km de terreno plano ou o
vigoroso vilão estar enrugado aos 30 anos. Para leitores de hoje, é chatice
garantida.
Eloésio Paulo
https://eloesiopaulo.blogspot.com/
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