Ressurreição
Um
esboço bem rudimentar do futuro grande escritor
O
romancista estreante Machado de Assis já era acometido pela mania dos prólogos
e, em Ressurreição (1872), escreveu
um deles quase pedindo desculpas pelo atrevimento de tentar a narrativa longa.
Machado já era poeta, dramaturgo e contista, mas só depois dos 30 anos criou
coragem para aventurar-se no gênero em que pontificavam Macedo e Alencar. Ao
contrário de seu protagonista, o escritor não “perdeu o bem pelo receio de buscá-lo”:
os versos de Shakespeare, citados no prólogo e também no desfecho, patenteiam
que o romancista novel era adepto do “quem não arrisca não petisca”. E, como
sabemos, fez muito bem em arriscar-se.
Mas
ele tinha razão ao colocar ressalvas a si mesmo. Ressurreição é um pequeno compêndio dos mais surrados recursos da
ficção romântica, a começar pela carta misteriosa da qual depende o desfecho. O
livro é uma história sentimental com meia dúzia de vaivéns. Félix, jovem médico
favorecido por uma herança inesperada, parece moldado naqueles dois augustos, o
de A moreninha e o de Diva, tanto que recusa apaixonar-se,
como o primeiro, e como o segundo salva a vida de uma mocinha moribunda.
O
enredo gira em torno das indecisões de Félix, que, encantado por Lívia, uma
bela viúva, acaba propondo-lhe casamento, mas destrata e desmoraliza a moça com
seus recuos motivados pela desconfiança e pelo ciúme. Machado de Assis ainda
estava longe da penetração psicológica que viria a caracterizar sua obra
madura, mas aquela “alma sem ação” (palavras de Lívia) que é Félix não deixa de
parecer um esboço bastante primitivo do narrador de Dom Casmurro. Lívia é que não tem nada de Capitu: seu comportamento
exemplar só poderia gerar dúvidas num espírito inseguro e vacilante como o do
noivo. Afinal a “ressurreição” da capacidade de amar em Félix não se completa,
e os dois terminam solitários.
Vacilante
também ainda é, no romance, o estilo machadiano, que até contém imperfeições gramaticais
impensáveis dez anos depois, fora a insegurança na composição dos diálogos e a
própria desnecessidade dramática de alguns lances da narrativa. Machado, enfim,
ainda não tinha aprendido a transpor para a ficção a vivacidade do diálogo
teatral, de modo que suas personagens discursam longamente e com pouca
naturalidade.
O
primeiro romance, enfim, tem poucos elementos que permitiriam adivinhar o enorme
escritor em formação. Ler Ressurreição,
hoje, não passa de um exercício de curiosidade ou pesquisa. Um conto como “A
causa secreta” vale muito mais, se a ideia é tirar da literatura o melhor que
ela pode oferecer.
Eloésio Paulo
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