Lucíola

Cenas eróticas são o melhor nessa obra de Alencar
O final moralista, as metáforas vegetais e a mania de “embeber os olhos” dos personagens a cada cena sentimental estragam, para um leitor de hoje em dia, as inegáveis qualidades de Lucíola (1862), o primeiro dos “perfis de mulher” feitos por José de Alencar. O problema do romance é que a protagonista, sendo uma prostituta, não poderia merecer um final feliz, sob pena de forte infração ao código moral do público alencariano.

Narrado por Paulo, advogado pernambucano recém-chegado à Corte na época dos fatos, Lucíola tem aquelas irregularidades de construção que, a par da ambição temática desmedida, impediram Alencar de ser um grande escritor. Logo em seu primeiro dia no Rio, Paulo conhece Lúcia, a mulher mais bonita do lugar, assim como a Emília de Diva (1864) e a Aurélia de Senhora (1875). Sabendo que ela se prostituía, ele acaba, depois de alguma hesitação, tomando-a por amante.

Aí começa a complicação, pois o caráter de Lúcia é contraditório, e Paulo, inexperiente além de um tanto pusilânime, não compreende as reações da moça a seu modo de agir. Os desencontros sentimentais entre os dois chegam ao clímax quando, depois de já ter-se resignado a uma relação platônica com a agora ex-meretriz, Paulo interpreta mal a presença de um homem na alcova da amada, bem ao estilo das situações equívocas do romance de folhetim.

Lucíola é o nome de uma espécie de pirilampo do brejo. O título, então, repropõe a surrada metáfora da flor do pântano: na verdade, Lúcia nascera Maria da Glória e se corrompera para salvar a família da miséria e da febre amarela. Apesar de encarnar a perfeita femme fatale, mantém o coração puro que, nos últimos capítulos, eleva-se até as vizinhanças da santidade.

Não se pode esquecer que Alencar foi o primeiro ficcionista brasileiro de largo fôlego, mas Lucíola depõe mais sobre as limitações ideológicas e estilísticas do autor e do estilo romântico do que sobre as qualidades que, aprimoradas, reapareceriam no mais bem acabado “perfil de mulher”, que é Senhora. Alencar entendeu muito a psicologia feminina, mas seus preconceitos morais e seu excesso de retórica tornam o romance uma obra datada – o contrário de um clássico.

Para um leitor atual, talvez a melhor parte sejam as demonstrações do conhecimento de causa do escritor em matéria de erotismo: a Lúcia que sabia transfigurar-se em menina ingênua e amante apaixonada aparece muito mais convincente nas cenas em que se revela a “cortesã depravada”, incluindo um strip tease antológico. O desbotamento moralista dessas cenas resulta incoerente e decepcionante.

Eloésio Paulo

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