Iracema


Professores, não obriguem alguém de 13 anos a ler...
Fincando as estacas míticas que assinalam a paisagem do Ceará – Maranguape, Quixeramobim, Baturité e muitas outras –, José de Alencar escreveu um dos mais bonitos livros da nossa literatura. Tudo o que em outras obras suas é, amiúde, afetação e artifício, em Iracema (1865) compõe a medida justa de uma linguagem adequada à estética muito pessoal desenvolvida pelo o autor com um olho na mitopoesia de Homero: não falta, no caso, uma guerra provocada pelo rapto consentido da mais bela das mulheres.
Os que chamam Iracema de “poema em prosa” não mentem quanto à origem poética do relato, esclarecida pelo próprio autor. Mas ao resultado final seria melhor chamar romance, e perfeitamente adequado ao enquadramento no Romantismo. Inadequado mesmo é o crime de lesa-literatura cometido por professores pretendentes a que jovens de 12 e 13 anos consigam ler Iracema, um enredo nuclearmente sentimental envolvido por poderoso arsenal erudito no qual se destaca a pesquisa da língua indígena e da história cearense.
A cena inicial, guardando quase intacto o andamento lírico da primeira versão, apresenta ao leitor o desfecho: Martim deixa o Ceará levando o cão Japi e Moacir, “filho do sofrimento” (é o que significa o nome) de Iracema. O segundo capítulo começa com o trecho mais famoso do livro, em que a índia tabajara é idealizada em sua delicada beleza: lábios de mel, hálito de baunilha etc. Ao susto provocado pela súbita visão do português, Iracema reage com uma flechada, mas logo em seguida ela socorre o invasor. Disso nasce o amor entre Martim e a filha de Araquém – o pajé dos tabajaras, cujo tempo é empregado no permanente barato obtido por meio de uma beberagem alucinógena.
Bem romanticamente, o fato de Iracema ser uma virgem consagrada e o ódio que Martim desperta no chefe guerreiro Irapuã tornam impossível o amor e complicam o enredo, aliás fantasiado a partir da pesquisa histórica, tal como em O guarani (1857). Tudo se passa no início do século XVI, e Martim Soares Moreno de fato foi um português que se tornou aliado dos pitiguaras. Estes vêm fazer guerra à tribo de Iracema, cujo amor ao estrangeiro levara a abandonar sua gente.
Os últimos capítulos mostram a heroína grávida e Martim entediado com a vida de casado. A crescente ausência do amado entristece Iracema até à morte; quando lhe nasce Moacir, mal tem forças para amamentá-lo. E assim chegamos, quando o português recebe seu filho da mãe agonizante, à situação descrita no início.
Claro, qualquer resumo inevitavelmente empobrece a riqueza poética e ficcional de Iracema, indiscutível ápice da obra alencariana.
Eloésio Paulo

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