Galvez, imperador do Acre


Uma divertida sátira da revolução amazônica
No final da década de 1970, o romance de Márcio Souza era um dos grandes sucessos de público da literatura brasileira. O país vivia o “boom editorial” que colocou no mercado muitos dos escritores contemporâneos mais importantes. Cinco anos depois de lançado, Galvez, imperador do Acre (1976) já havia esgotado nove edições. O protagonista algo pícaro e os ágeis capítulos curtos certamente estiveram na raiz de tamanho sucesso.
Chamado de “folhetim” pelo autor, o relato se passa nos últimos anos do século XIX e gira em torno das aventuras de Luiz Galvez, um espanhol que acaba, meio por acaso, liderando a aventura de tornar o Acre, então parte do território boliviano, um país independente a ser depois incorporado à república brasileira – como de fato ocorreu, mas pela via diplomático-financeira: as terras foram compradas pelo Brasil. As peripécias de Galvez começam com uma acidental intervenção na qual, fugindo do marido de uma de suas muitas amantes, despenca sobre três sujeitos que tentavam sequestrar um diplomata boliviano.
Ao andamento picaresco do romance soma-se um estilo que deve bastante à linguagem das Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade. A paisagem amazônica é incorporada à narrativa num registro cômico em que a miséria e o isolamento da região ficam em segundo plano, avultando o lado divertido de uma aventura nas vizinhanças do surreal, com sua mistura de clichês (índios antropófagos, por exemplo) e uma fantasia na qual entram personagens históricas, uma trupe de artistas europeus e uma religiosa que se torna mártir guerrilheira.
Galvez, personagem buscado na história real do Acre, toma o poder e improvisa no meio da selva um arremedo de império que logo se esboroa na incompetência e num fausto sem qualquer lastro econômico. Ao fundo, a riqueza do látex, cobiçada pelos norte-americanos, representados no livro por um medroso diplomata de sobrenome Kennedy.
Não estamos falando de um romance impecável, mas ninguém pode negar que ele seja divertido e representativo. Divertido por sua carnavalização da História, e representativo por ter ajudado, com seu grande sucesso de público, o Brasil e o mundo a saberem que existia uma produção literária amazônica. Além disso, Galvez, imperador do Acre pode ser lido como sátira da aclimatação tropical da cultura europeia: sua saturação de referências eruditas rebaixadas por um emprego propositadamente terceiro-mundista evidencia o quanto ideias como o parnasianismo estavam, por aqui, “fora do lugar”, tornando as elites brasileiras uma classe vitimada pelo “torcicolo cultural” a que se referiu Roberto Schwarz.
Eloésio Paulo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Serafim Ponte Grande

Memórias póstumas de Brás Cubas

Menino de engenho