Corpo vivo
Ensaio
do Grande sertão, pena que posterior
Uma
espécie de faroeste nordestino é a substância de Corpo vivo (1962), com o qual o escritor baiano Adonias Filho
concluiu a trilogia de que também fazem parte Os servos da morte (1946) e Memórias
de Lázaro (1952). O enredo gira em torno de Cajango, menino da zona
cacaueira que, tendo presenciado o assassinato de sua família, é entregue a um
tio que o adestra na arte do assassinato de onças e seres humanos.
A
narrativa se estrutura por fragmentos, com algumas quebras da linearidade
temporal, de modo que o leitor demora a situar-se na história. Contribui para
isso o estilo sincopado, cheio de reviravoltas e pretensos efeitos poéticos. A
certa altura, porém, fica claro que o assunto é a vingança contra os assassinos
dos pais e irmãs de Cajango. Compreender isso pode demandar, depois da última
página, um retorno ao começo do livro. Muitos leitores, sem disposição para
isso, abandonarão o romance por achá-lo confuso.
Para
quem persistir, ele será interessante apesar de um pouco repetitivo em sua
insistência nos quase superpoderes de Cajango e seus colegas de banditismo. O garoto,
depois de passar alguns anos no mato com seu tio Inuri, um mameluco, retorna
para as estradas e povoados da região entre Ilhéus e Itabuna investido de
capacidades superlativas em termos de assassinato e terror. Conta mesmo com um
sequaz apelidado Sangrador, que se encarrega de cortar cabeças para o chefe verificar
se reconhece nelas algum dos assassinos de sua família.
Os
outros companheiros de Cajango, na maioria, são da mesma espécie infalível em
matéria de pontaria e destemor, especialmente Dico Gaspar e “o Alto”. Com os
anos de exercício desse morticínio, o herói – ou anti-herói, pois sua
personalidade é obviamente doentia – acaba perseguido em todo o sul da Bahia
por outros bandos a serviço, podemos presumir, dos coronéis do cacau.
Mas,
no meio dessa gincana mortal, o protagonista conhece a moça Malva, cujo irmão
ele inicia na carreira de assassino. A partir daí, a vida de Cajango ganha um segundo
objetivo, que é possuir Malva. O que consegue no final, mas já com seu bando
tão desbaratado que não lhe resta alternativa senão recolher-se com ela a uma
serra mítica que remonta às paisagens góticas, embora se localize, com toda
probabilidade, na Chapada Diamantina.
Corpo vivo
tem qualidades, mas o conjunto soa um tanto forçado em seu amálgama de
naturalismo regionalista e tentativa de elaboração moderna da linguagem. Seria um
ilustre precursor de Grande sertão: veredas
(1956), mas, para azar de seu autor, foi publicado seis anos depois da
obra-prima de João Guimarães Rosa.
Eloésio Paulo
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