Armadilha para Lamartine


Um caso sui generis de édipo textual

Um rapaz de 21 anos cuja crise existencial desemboca na internação em um hospício, instituição que se revela muito opressiva e capaz de destruir alguém por meio do seu “tratamento”. A semelhança do enredo com o do filme Bicho de sete cabeças não é mera coincidência: Armadilha para Lamartine (1976) é contemporâneo do livro Canto dos malditos (1975), que deu origem ao belo filme de Laís Bodanzky.

O autor do romance assina como “Carlos & Carlos Sussekind”, fazendo justiça a seu pai, cujo diário íntimo seria, segundo Carlos Sussekind de Mendonça Filho, a base material de seu texto ficcional. Não há muitas obras-primas na literatura brasileira dos anos 1970, se se considerar como ponto de referência a ficção modernista; sem dúvida, Armadilha para Lamartine é uma delas.

O enredo é composto por dois subconjuntos, as “Duas mensagens do Pavilhão dos Tranquilos” e o “Diário da varandola-gabinete”. No primeiro, Lamartine se faz passar por um colega do hospício Três Cruzes e narra sua própria estada de dois meses nessa instituição. Destaca-se a participação do protagonista no jornal O ataque, a qual culmina com sua transferência para a ala dos internos merecedores de cuidados “especiais” como o eletrochoque.

O diário de Espártaco M., pai de Lamartine, ocupa um espaço bem maior e esclarece as verdadeiras razões da crise existencial do filho. Espártaco é uma figura demissionária de sua função de chefe da família, um promotor de justiça preocupado com questões miúdas do cotidiano e ao mesmo tempo com a crise política que antecedeu a posse de Juscelino Kubitschek como presidente em 1956. A crise pessoal e familiar do memorialista tanto é penetrada pelo panorama político-econômico do Brasil na metade dos anos 1950 como explica em boa parte o surto de Lamartine. Hélio Pellegrino, do privilegiado mirante de psicanalista do autor, prefaciou a primeira edição da obra de Sussekind, deixando clara sua condição de drama edípico.

Mas falamos de um édipo textual: a escrita do pai revela-o inseguro e incapaz de servir como figura de autoridade por meio de cuja contestação alguém possa individuar-se. Nesse sentido, a escrita do livro talvez possa ser vista como vingança simbólica do escritor-pessoa-física. De qualquer forma, além de muito bem escrito, o romance tem uma estrutura narrativa magistral, cuja aparente fragmentação, de fato, formaliza a profunda e trágica solidariedade entre as crises do pai e do filho. Armadilha para Lamartine, vale repetir, é um dos pouco numerosos romance pós-modernos que não fariam feio se comparados a Graciliano ou Machado.

Eloésio Paulo

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