Kalum
Menotti del Picchia fez indianismo requentado e às
avessas
A
frase “Conseguirei o alemão com as pupilas falantes”, resultante de um cochilo
do tipógrafo (na edição popular da Saraiva), talvez seja a melhor coisa que
existe em Kalum (1936), romance de
Menotti del Picchia que, em matéria de ruindade, só pode ser comparado a O choque das raças, de Monteiro Lobato,
e às obras de certo escritor brasileiro contemporâneo. Só vale a pena falar do
livro para que o leitor não perca com ele seu tempo – alguém já fez o
sacrifício em seu lugar. Mas pode ser interessante estudar o rol de
impropriedades lógicas perpetradas por Menotti.
Subintitulada
“O mistério do sertão”, a narrativa é ambientada na selva de Mato Grosso, em região
que hoje faz parte de Rondônia. Mas o escritor paulista tinha uma ideia muito
vaga do que fosse a floresta amazônica. Perde feio para José de Alencar, que nos
romances indianistas se deu o trabalho de fazer pesquisa histórica e
geográfica. Para começar, os índios antropófagos que fazem o papel de vilões na
história nunca existiram.
Tudo
começa com um grupo de exploradores embrenhados na selva. A expedição é
chefiada pelo alemão Karl Sopor (de soporífero?), cujo objetivo é fazer o
registro cinematográfico do povo kurogang, jamais avistado pela civilização e,
curiosamente, formado por negros – há considerações lombrosianas do narrador
sobre seus crânios etc.
Capturada
pelos terríveis selvagens, a expedição está fadada à degola e à devoração. Mas
eis que, devido ao achamento de um recorte de jornal na cabana do pajé Bogum,
Karl Sopor descobre que este era na verdade um padre português fazendo-se
passar por feiticeiro. A partir daí, a aventura consiste primeiro em fugir dos
terríveis selvagens e depois em evitar que eles invadam o reino subterrâneo de
Elinor.
Esse
reino é habitado por seres humanos de dimensões nanicas, sendo curiosamente as
meninas (que não chegam a ser mulheres) lindas e os homens, muito feios. A
única exceção é o “rei”, uma moça deslumbrante também chamada Elinor. Essa
parte do livro consiste numa descrição do progresso científico do reino e da
situação sem saída do povo subterrâneo, constantemente atemorizado pela
possibilidade de uma invasão de sua caverna pelos kurogang.
No
auge da crise, Elinor e o visitante Sopor se apaixonam – como dois autômatos, o
lastro psicológico é comparável ao de, digamos, As valkírias – e começam a
planejar uma fuga. Mas eis que os selvagens descobrem o segredo para penetrar
na caverna. O resultado é uma carnificina total de que, previsivelmente, os
dois namorados escapam para o desfecho detestavelmente meloso. Nível Sabrina ou mais baixo um pouco.
Eloésio Paulo Instagram: @eloesiopaulo
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