Grande sertão: veredas
Incomparável, obra de Rosa é o maior
romance brasileiro
O metro para medir Grande sertão: veredas (1956)
está além da literatura brasileira. Nem é viável comparar a obra-prima de
Guimarães Rosa com qualquer outro livro publicado em português, à exceção
de Os lusíadas (1572). A ambição do romance é desmedida,
assim como a capacidade do autor de fazer-se jus. Mede-se Grande sertão é
pela Ilíada, por Dom Quixote,
pelo Ulysses de James Joyce.
O que o romance tem de especial é a amplitude do tempo e do
espaço, replicada e traduzida na amplitude da experimentação de linguagem do
narrador, o ex-jagunço Riobaldo, apelidado Tatarana. O sertão é o mundo, diz
ele: o espaço geográfico situado entre o centro de Minas e as divisas com Goiás
e Bahia se torna, por meio do andamento da narrativa e da diversidade de
personagens e destinos que a ela comparecem, um universo capaz de conter o sumo
da experiência humana. “Viver é muito perigoso”, repete Riobaldo umas tantas
vezes, e de modo algum por acaso.
O narrador fala a um ouvinte que só sabemos ser homem da
cidade. Com sua caderneta para anotações, este deve ser um alter ego do
escritor, cujas expedições pelo sertão mineiro – a fim de documentar o ambiente
retratado em sua ficção – foram, antes de mais nada, o meio de construir uma
base realista para a imaginação galopante que por vezes bate nas divisas do
fantástico e do metafísico. Caso do problema existencial que perturba Riobaldo
desde o princípio até fim de seu relato: ele teria ou não feito um acordo com o
Diabo para poder derrotar o pactário Hermógenes?
Sabedor de que a vida é “cheia de passagens emendadas”,
Rosa estruturou a narrativa de modo a reproduzir os negaceios da memória e as
falhas da própria capacidade de alguém se compreender e de entender o sucedido.
O relato vem e vai, meio labirinticamente, ao sabor do que Riobaldo lembra das
escaramuças entre seu bando de jagunços, inicialmente chefiado por Joca Ramiro,
e as tropas legais, depois entre os remanescentes fieis ao chefe assassinado e
os que seguiram os “judas” Ricardão e Hermógenes. A outra angústia de Riobaldo:
a consciência crescente de seu amor pelo companheiro Reinaldo – Diadorim,
apelido secreto que prenuncia a revelação final e tardia: na verdade, era
uma moça travestida de jagunço.
Qualquer resumo de uma obra tão intensa e extensa
será pífio. Ler Grande sertão: veredas não é só conhecer o
maior romance da língua portuguesa; é ter uma experiência, transformadora da
consciência de si mesmo e das possibilidades de investigar a condição humana
por meio do português brasileiro, que nem adianta perseguir por outros
caminhos. Livros desse quilate existem, em qualquer cultura, pouquíssimos.
Eloésio Paulo
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