Avalovara


Obra maior de Osman Lins une metafísica e crítica à ditadura

Talvez o mais ambicioso romance brasileiro depois de Grande sertão: veredas, a obra mais importante de Osman Lins é Avalovara, publicado pela primeira vez em 1973. Desvendá-lo, como demonstra o estudo A garganta das coisas, de Regina Dalcastagnè, envolve até mesmo uma incursão pela arquitetura medieval.

A base da estrutura narrativa já envolve uma concepção geométrica, a sobreposição de um quadrado a uma espiral. Eles correspondem, respectivamente, à dimensão espacial e ao desenvolvimento temporal do romance. Numa das várias linhas narrativas resultantes desse arranjo, conta-se a história do escravo romano Loreius, criador – em troca da própria liberdade – do palíndromo latino SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Palíndromo é uma frase cujas letras são as mesmas se ela for lida ao contrário.

Equação formal que se pretende espelho da multiplicidade do Real, Avalovara incomoda o leitor pela falta de compromisso com o realismo convencional: contém “absurdos” como uma personagem ter o corpo composto de cidades. Sim, porque além da história de Loreius, que teria vivido na Pompeia do século II, outros enredos se entrelaçam numa trama que mistura especulações metafísicas a uma evidente crítica do regime militar pós-1964.

Um desses enredos intitula-se “O relógio de Julius Heckethorn” e relata a construção de um mecanismo criado para reproduzir a imponderabilidade do humano. O tal relógio acaba vindo parar no Brasil e participa dos momentos mais importantes da vida de Abel, protagonista do romance. A história de Abel desenvolve-se paralelamente à da própria escrita do livro.

Abel é um homem que busca a si mesmo, na Europa, na miragem de uma cidade jamais encontrada. De volta ao Brasil, ele reconhece em Cecília o sentimento humano que faltava a sua vida europeia. Mas ela é hermafrodita e acaba morrendo junto com o filho de ambos (pois estava grávida). A sensação de inteireza acaba sendo encontrada numa amante de nome impronunciável e casada com um militar (aqui, o “gancho” para a crítica do autor à ditadura).

Como se vê, não é fácil falar concisamente desse livro que se constitui como tentativa de representar a multiplicidade da vida humana e cujo título abrevia o nome de uma ave mítica cujo corpo é feito de muitíssimos outros pássaros. Nas palavras do próprio narrador, as representações “são sempre enigmáticas, alusivas, fracionárias e quase nunca contempladas na sua totalidade.” Confessadamente uma homenagem à Divina comédia, de Dante, Avalovara não é leitura fácil, mas é uma experiência estética fascinante.


Eloésio Paulo         Instagram: @eloesiopaulo

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