Amar, verbo intransitivo
“Idílio” de Mário de Andrade inclui
psicodrama sexual
Um livro “gordo de
freudismo”, na definição do autor, que meses depois de publicá-lo acusava a
crítica de reducionismo psicologista, Amar,
verbo intransitivo (1927) participa do esforço experimental iniciado por
Mário de Andrade nos Contos de Belazarte
(1923-1926) e que culminaria em Macunaíma
(1928). Mas o romance gira em torno de um psicodrama sexual, isso nem o
próprio Mário poderia negar.
O
protagonistas é um adolescente “machucador” de suas irmãs menores, rapaz cuja
masculinidade a despontar preocupa o pai, Sousa Costa, um típico pater familias paulistano endinheirado.
Para impedir que Carlos se exponha aos perigos da iniciação sexual, o pai
contrata uma “professora de amor” alemã, que passa a figurar perante a família do
garoto como professora de piano e línguas. Com sua habilidade haurida em larga
experiência, Fräulein Elza seduz o garoto, no entanto já iniciado na
prostituição de rua, tão temida por seu pai.
Mas
Carlos, ao confessar a ela essa aventura, esclarece que “estar não é gostar”, e
os dois se tornam amantes até o ponto de perturbar o sossego hipócrita da
família. Chega, então, o momento da ruptura, que a professora exige ser
traumático, a fim de que a “lição” fique completa. O desfecho, no entanto,
deixa claro que ela não era tão profissional como desejaria: seu coração, já
machucado pelos sucessivos envolvimentos abortados e pelo sonho cada vez mais
distante de casar-se, sofre a separação quase tanto quanto o do desesperado
Carlos, que mergulha na depressão. Mas o leitor espere pelo epílogo...
Estruturado
por cenas em contracanto com as digressões do narrador, o romance foi chamado
por Mário de “idílio”, e não é casual a associação da personagem wagneriana
Sigfried a Carlos. O autor estava impregnado de cultura alemã, e foi mesmo por
estudar com afinco o idioma de Goethe que ele descobriu, num livro de
antropologia, a lenda de Macunaíma. Há marcante influência do Expressionismo em
Amar, verbo intransitivo, não
faltando uma paródia do quadro O grito,
de Edvard Munch.
O
que mais vale a pena destacar, porém, é o sabor da linguagem. Mário de Andrade
foi um profundo pesquisador da linguagem falada e pretendeu contaminar com ela
o registro literário. Nesse “idílio”, encontra-se uma amostra polifônica dos
resultados de tal pesquisa. E, se a colagem da antigramática sobre as
pretensões teorizantes da narrativa resulta cheia de arestas, a impossibilidade
de fazer do livro um todo bem acabado não impede que ele resista mesmo às
leituras não comprometidas com a idealização do movimento modernista.
Eloésio Paulo Instagram: @eloesiopaulo
Muito bom
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