A polaquinha


Estilo do autor achou seu limite na forma do romance

Dalton Trevisan é um contista genial a ponto de fazer infindáveis variações em torno de meia dúzia de obsessões e recursos de estilo como a elipse e a frase curta ou curtíssima. Em A polaquinha (1985), enfrentou a escrita de um romance, e seria um exagero dizer que se tenha dado mal – pelo menos até as vizinhanças do desfecho.
No Sul do Brasil, “polaca” designa prostituta. A personagem-título é uma garota baixinha que narra sua própria história, na qual Trevisan mais uma vez exercita o tom de tragicomédia suburbana predominante em seus contos desde a estreia com A guerra conjugal (1959). Não há nada de propriamente novo na polaquinha; ela atravessa os melhores anos da juventude às voltas com homens vulgares, aos quais se entrega de modo instintivo e num crescendo de perversão que a leva a prostituir-se, por assim dizer, industrialmente, sob as ordens da velha caftina “tia Olga”.
A moça é dotada, desde cedo, de uma curiosidade sexual aguda que vai tomando conta de seu ser. Dos sarros às ocultas com João, um tímido e asmático estudante de medicina,  à entrega sexual sem restrições a Pedro, grosseiro (porém agraciado pela natureza com um priapismo invejável e quase inverossímil) motorista de ônibus, ela decai na escala social e existencial: do trabalho mal remunerado num hospital enquanto fazia cursinho pré-vestibular, acaba reduzindo-se  – não sem por vezes gostar muito disso – à pura condição de objeto sexual.
O amor e o sexo, em A polaquinha, são vistos pela mesma lente de sordidez a que os leitores do escritor curitibano já estão acostumados. Mas nisso não vai nenhum moralismo, e sim o registro de um sentido trágico da existência. Ninguém pode chegar a ser feliz no universo de Dalton Trevisan, pois os pequenos anseios e as grandes ilusões são apenas parte de um maquinismo que nos distrai da inescapável precariedade do humano. Faltaram, desta vez, o indefectível licor de ovo e a broinha de fubá.
A primeira e talvez única narrativa longa de Trevisan é um livro que se lê com prazer, mas o mestre do conto acabou não sabendo como terminar sua história. O desfecho consiste num salto brusco demais, por parte da protagonista, da condição de mocinha tola e desfrutável para a de funcionária de um esquema mecânico e impiedoso de exploração sexual capitalista. Deve ser assim em muitas vidas reais, mas na economia narrativa de A polaquinha a passagem não convence. Talvez por isso mesmo, o autor retornou em seu livro seguinte, Pão e sangue (1988), à forma do conto, muito mais adequada a sua escrita fulgurantemente sintética.


Eloésio Paulo

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