A normalista
Falta
algo para que esse livro faça jus ao rótulo “naturalista”
A ficção naturalista brasileira padeceu de um incoerente
sincretismo entre veleidade cientificista e restolhos de retórica sentimentalóide.
Nem Aluísio Azevedo, o aplicado discípulo de Eça e Zola, escapou a esses
acessos de ímpeto revolucionário pela metade. Mas em poucas obras do período o
defeito de fábrica é tão evidente como em A
normalista (1893), de Adolfo Caminha.
O romance não deixa de ser atraente. O ficcionista soube
conduzir a narrativa de maneira a manter a curiosidade pelo famoso “e depois?”.
Também contribuiu para o atrativo a sua predileção por temas chocantes para a
mentalidade da época, como, no caso, o envolvimento sexual de um padrinho com
uma afilhada. O padrinho é o escriturário João da Mata, e a afilhada é Maria do
Carmo, a normalista que intitula o romance.
Mas qualquer leitura um pouco mais atenta nota o
emprego canhestro do restante instrumental narrativo. A caracterização das
personagens principais é frágil e mesmo contraditória. A protagonista se
comporta quase como marionete, apaixonando-se perdidamente por um rapaz que mal
conhece, depois cedendo à sedução de um homem a quem tem asco. Tudo poderia ser
mais plausível se o autor fosse naturalista convicto; mas, não, ele só se
lembra nas últimas páginas de provocar em João da Mata uma ereção devidamente
fundamentada na animalidade do instinto.
O enredo transcorre na Fortaleza do final do século
XIX, às vésperas da proclamação da República. Maria do Carmo tinha sido deixada
aos cuidados do padrinho, ainda menina, pelo pai que fugia da terrível seca de
1877. Criada por João da Mata e pela amásia deste, dona Terezinha ou “Teté”, a mocinha
deixa o colégio de freiras para estudar na Escola Normal, onde, principalmente
por influência da mal falada Lídia Campelo, acaba encontrando meios de trocar
uns beijos com Zuza, um típico filho de coronel nordestino. Pressionado pelo
pai, Zuza dá um jeito de escapulir do namoro escandaloso, e Maria do Carmo engravida
do padrinho depois de uma única relação. Estranhamente, João da Mata não voltará
a demonstrar nenhum desejo pela apetitosa afilhada...
Se algo se salva em A normalista, é a crítica à sociedade provinciana. Os tipinhos
desprezíveis do jornalista fofoqueiro, das comadres hipócritas e dos pseudo-intelectuais
boêmios mergulhados em abissal mediocridade mental e material, esses são o que
há no livro daquela universalidade que encontramos – porém, muito mais bem
desenhada – em Eça e Aluísio. Nem mesmo um padre sintomático da visão
anticlerical comparece às páginas desse romance tão precariamente naturalista e
tão romanticamente precário.
Eloésio Paulo
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