A mão e a luva
Um esboço das melhores qualidades
machadianas
Bem
mais do que na singela primeira narrativa longa de Machado de Assis, Ressurreição (1872), na segunda se mostram
alguns daqueles elementos que tornariam o escritor o maior ficcionista
brasileiro. A heroína Guiomar, capaz de considerar a “fria eleição do espírito”
na escolha de um noivo, contém o esboço geral de Virgília, Sofia e Capitu, obras-primas
da análise psicológica machadiana. Não que a “pintura de caracteres” do narrador
seja perfeita em A mão e a luva
(1874); por exemplo, o diálogo no qual Guiomar nomeia à madrinha o primo Jorge
em vez de Luís Alves (seu verdadeiro eleito) é pouco convincente.
Mas
condução da narrativa já é admirável pela economia de meios. Nem o apego à
sintaxe neoclássica nem certa artificialidade declamatória de alguns diálogos
chegam a tornar o livro cansativo. E depois há as deliciosas metáforas, nas
quais Machado já era mestre aos 35 anos.
A
ação decorre entre dois desenganos amorosos do estudante e depois bacharel
Estêvão. Logo no início, tendo seu amor recusado por Guiomar, ele se descabela
numa confissão ao colega Luís Alves, outro estudante de direito em férias. Retornando
já formado ao Rio de Janeiro, dois anos depois, Estêvão é hospedado por esse
ex-colega de faculdade, cuja casa em Botafogo vizinhava com a da mesma Guiomar,
agora filha adotiva de uma baronesa.
Estêvão,
em quem o antigo amor ressurge prontamente no reencontro, alimenta esperanças
logo desfeitas pela moça. Ela também é cortejada por Jorge, que conta com o
favor da baronesa e a alcovitagem de uma governanta inglesa, Mrs. Oswald,
afinal a vilã da história: num capítulo admiravelmente intitulado “Embargos de
terceiro” – prenúncio das ironias do Brás
Cubas –, essa velha senhora arma um embuste para obrigar a moça a aceitar o
pedido de casamento feito por Jorge.
Instado
por Guiomar, Luís Alves também lhe pede a mão à baronesa, e os dois acabam
casados. Na cena final, o narrador esclarece que, entre o amor ardente de
Estêvão e a conveniência social e familiar do inconveniente Jorge, Guiomar
escolhera o homem mais parecido com ela: um caráter ambicioso e resoluto, que
por sinal já estava eleito deputado. Ajustavam-se como a mão e a luva, diz o
narrador na última frase do livro. A vitória de Luís Alves, no entanto, não foi
obtida de graça: ele soubera, antes de apaixonar-se por Guiomar,
compreender-lhe a personalidade e apresentar-se a ela com as qualidades que ela
esperava encontrar num homem. Tem algo de A
megera domada essa conquista, ainda que Guiomar esteja tão longe de ser
megera quanto de ser heroína romântica.
Eloésio Paulo Instagram: @eloesiopaulo
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