A família Agulha
Romance
de Guimarães Jr. é pautado pelo ridículo das personagens
Muitos leitores atuais acharão
exagero o subtítulo “romance humorístico”, de A família Agulha (1870), obra reposta no mercado por uma bem
cuidada edição da Casa de Rui Barbosa. A sensibilidade do brasileiro médio ao
humor deve ter-se desgastado com tanto consumo de TV e internet, e talvez por
isso o romance não mais seja capaz de provocar aquela “dor do lado” de tanto
rir, a que se referiu Mário Quintana.
Wilson Martins teve
razão ao lamentar o injusto esquecimento de A
família Agulha, mas foi exagero compará-lo às Memórias de um sargento de milícias. Vale a pena conhecer o livro
de Luís Guimarães Jr, porém com a ressalva de se tratar mais de uma sequência
de cenas teatrais do que de um romance. A narrativa “em ziguezague” (termo usado
por Flora Süssekind) acaba por implicar, quanto à forma romanesca, certo
descompromisso com o aspecto representacional. Conversa para teóricos; vamos ao
enredo.
Era para ser a história
de Bernardino Agulha, mas quem sobressai é seu pai, Anastácio Temporal Agulha.
Funcionário corrupto do Império, apaixona-se pelos descomunais pés de Eufrásia
Sistema, moça bastante desgraciosa. Essa perversão do interesse amoroso fornece
a senha para o principal maquinismo do enredo: a imprevisibilidade crescente de
Anastácio, cujo nonsense evolui para
a indiscutível loucura. É em suas falas e atitudes que consiste o principal
efeito humorístico do livro.
O resto fica por conta
de personagens caricatas, às vezes em duplicata como estas duas maníacas: a
charadista D. Leonarda e a quituteira D. Januária. Um dos bordões do narrador chega
a ser chatíssimo – a repetição exaustiva do nome completo de um procurador
semianalfabeto.
Na primeira metade, o enredo
dá conta do casamento de Anastácio e Eufrásia, do envolvimento do marido na
política imperial e, principalmente, da busca de um padrinho excêntrico para Bernardino.
A escolha recai sobre um louco varrido, pretextado antídoto contra presságios vindos
num sonho ao pai da criança. A segunda metade é ocupada principalmente pela
morte de Eufrásia e pelas estroinices de Bernardino, que resultam em ruína
financeira e na entrada para o crime por conta da paixão por Caxuxa, ex-mulher
de um político reaparecida na história como prostituta de luxo.
Bem feitas as contas, A família Agulha é um desperdício de
talento. Poderia ser uma obra-prima de sátira social caso sua produção não tivesse
sido tão comprometida pelo ritmo da publicação em folhetins, no Diário do Rio de Janeiro, ao longo de
apenas dois meses. Processar seus abundantes recursos teatrais na forma romance exigiria uma trabalheira à qual
não quis ou não pôde dedicar-se o autor.
Eloésio Paulo Instagram: @eloesiopaulo
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