O filho do pescador


Pioneiro do romance nacional é, com muito favor, obra sofrível

Indeciso entre a narração, arroubos poéticos e um moralismo ultracarola, Teixeira e Sousa legou à posteridade o bisonho esboço de ficção intitulado O filho do pescador (1843). Historicamente falando, é o primeiro romance brasileiro; mas é com bem fundadas razões que Alfredo Bosi o exclui, na História concisa da literatura brasileira, da linhagem mais ilustre de nossa ficção romântica: realmente não seria justo colocá-lo no mesmo plano de Macedo e Alencar.
Se estes aprenderam algo com o pioneiro, terá sido que deviam evitar a simples transposição do típico enredo folhetinesco francês, com seus baldes de lágrimas jorrando em desfechos invariavelmente piedosos e inverossímeis. Quem acha Alencar prolixo e moralista tem pouca chance de aguentar vinte páginas de O filho do pescador.
Apesar do título, a protagonista é Laura, que, bem ao gosto do Romantismo doentio, sintetiza a contradição da beleza absoluta com o perfeito mau caráter. Em torno dessa abstração de saias gira o enredo. No princípio, ela se casa com Augusto, cujo nome se revelará a correspondência de todas as qualidades morais possíveis a um homem.
O relato não é, entretanto, desprovido da principal qualidade esperada pelos leitores menos exigentes. Abundam nele as reviravoltas e surpresas, sempre apoiadas no sentimentalismo mais primário. A pérfida Laura convence seu terceiro amante a matar-lhe o marido; em seguida, faz o quarto amante matar o terceiro. Quando lhe aparece um amor puro e sincero, na figura do jovem caçador que afinal saberemos ser seu filho, é tarde demais: o enredo já progride (apesar da falação do narrador) em direção ao desfecho, no qual a malfeitora forçosamente teria que ser castigada – ainda que apenas com a vergonha, o arrependimento e o convento.
Enfim, se houver algum proveito para o leitor atual em conhecer O filho do pescador, dificilmente estará ligado ao prazer da leitura. Mas o livro traz bons tópicos de pesquisa até mesmo para os interessados em Linguística: seria divertido inventariar, na especiosa ortografia de Teixeira e Sousa, formas caídas em desuso (quando não simplesmente derivadas da formação deficiente do autor) como “estrupo” e “hallucinação”. No campo específico dos estudos literários, pode ser interessante verificar a interpolação de motivos poéticos do Arcadismo ou a glosa, bem mal feita, de certas passagens da sermonística de Vieira. Mas se você é “só” um leitor, sem qualquer interesse profissional na leitura, pode pular esse tópico e não terá perdido nada de importante.
@eloesiopaulo

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