O altar das montanhas de Minas
Enredo
sutil de Jaime Gouvêa entrelaça o desastre individual ao social
Sebastião
Nunes, o lendário poeta gráfico-marginal que desde o ano passado se exilou em
Portugal, comparece a páginas tantas do livro O altar das montanhas de Minas (1991) travestido em caminhoneiro, a
coadjuvar o acidente que estropia física e espiritualmente o protagonista;
começo dando uma ideia geral da teia de sutis referências de que se compõe o
único romance de Jaime Prado Gouvêa, por sinal amigo de Tião Nunes na vida dita
real.
Ganhador
de importantes prêmios como contista, Jaime domina de saída dois códigos ariscos
para a maioria dos escritores brasileiros em atividade: a língua portuguesa e a
construção do enredo. Seu protagonista, Dirceu Dumont, tem marcas salientes de alter ego, mas de fato é “só” um
personagem de ficção. O que move a história? Na superfície, a perambulação
existencial desse jornalista-escritor de Belo Horizonte em busca do enredo que
deveria surgir de recortes de jornal a respeito de um certo Álvaro Garreto,
cuja existência nos vai parecendo cada vez mais duvidosa.
No
nível mais profundo, alguns elementos vão complicando esse esquema a princípio óbvio.
Primeiro Bárbara, a namorada de um ex-colega de trabalho do protagonista; tão
encantadora como porra-louca, ela consegue em poucas horas virar do avesso a
pacata vida de Dirceu. Depois o dito ex-colega, Rezende, reaparecido no final
da convalescença do outro, que passara meses num hospital depois do acidente no
qual Bárbara morrera: ele se faz mensageiro de uma trama de crime e corrupção
policial que obriga o pretendente a romancista refugiar-se em Ouro Preto, lugar
de um pessoal eterno retorno assombrado pelo grande amor, Luiza.
É
na antiga Vila Rica que está o “altar das montanhas”, expressão tirada de um
hino eucarístico. Da cidade dos inconfidentes, após curtíssima aventura amorosa
com Dirceu (e também há na história uma Marília), Bárbara saíra dirigindo
loucamente em busca da morte até encontrar-se com o caminhão de Tião Nunes. No
hospital, Dirceu havia conhecido a pouco graciosa enfermeira Elisa, que será o anjo
tutelar de seus últimos dias.
Parece
confuso, mas não é. A narrativa flui, em seu ritmo elegíaco, embalada por uma
linguagem cheia de lirismo e de amargas ironias. Dirceu não consegue escrever
romance nenhum, mas a história desse fracasso é uma metáfora desiludida da
inutilidade da literatura frente ao desastre inexorável de existir num país
chamado Brasil, onde a memória de Tiradentes é anualmente insultada por canalhas
menores sendo condecorados pelo canalha “grande e gordo”. Sim, o livro também é
sobre o fracasso anunciado da Nova República.
👏👏👏
ResponderExcluir