Helena
Até
a metade, parece que o autor está prestes a livrar-se do Romantismo
Helena
(1876) é um romance em duas metades bem distintas. Na primeira, Machado de
Assis concentra seus talentos na elaboração do estilo que o consagraria como o
grande ficcionista brasileiro: senso de medida, economia narrativa, construção psicológica
verossímil. Na segunda metade, tudo isso se perde num melodrama palavroso com
lances quase alencarianos de sentimentalismo. Parece que a experiência do
teatro romântico, no qual se desenvolvera o ficcionista, vem perturbar a
narrativa, iniciada com o desenho firme da surpresa e demais efeitos do
reconhecimento pelo Conselheiro Vale, em testamento, da paternidade de Helena, filha
de um caso extraconjugal.
A narração dos meses em
que a protagonista se adapta à nova família, assim como a gradativa sugestão de
um envolvimento amoroso entre ela e seu meio-irmão Estácio, colocam em cena,
com alguns anúncios da magistral ironia, futura grande marca do estilo
machadiano, a pequena constelação de personagens secundárias que dará graça e
movimento ao enredo. Leitores atentos poderão mesmo perceber elementos mais
tarde reciclados no Brás Cubas, como
a sobreposição do noivado à deputança numa proposta feita a Estácio, também,
como Brás, chamado de “urso” por sua aversão à vida social.
Conquistado o afeto da
nova família, Helena entra na fase em que, num livro romântico, o enredo
precisa se encaminhar aos casamentos. O drama de seu sofrimento (ela ama o “irmão”)
vai sendo tocado em surdina pelo narrador, mas uma chantagem do detestável
Camargo coloca a protagonista em rota de colisão com seu destino: Helena era,
na verdade, filha adotiva do Conselheiro, e às escondidas fazia visitas
matinais ao verdadeiro pai.
Quando casualmente
Estácio descobre essas visitas, tira conclusões totalmente erradas sobre o
procedimento moral da moça. A situação criada então, com a frequente
intervenção do padre Melchior, amigo quase agregado à família, faz o romance desandar
numa chorumela que estraga a elegância narrativa da primeira metade. Aí entram
as previsíveis cartas reveladoras, as explicações prolixas e cheias de lágrimas
que permitem ao leitor conhecer o verdadeiro pai de Helena, a história de como
ela se tornara filha adotiva do Conselheiro e tudo mais. O orgulho e a humilhação
da heroína fazem-na adoecer, e ela vem a morrer de uma pneumonia bastante mal
explicada – como convém ao estilo romântico que Machado ensaiara ultrapassar.
Enfim, a literatura
brasileira ainda precisaria esperar alguns anos para conhecer seu gênio, quando
ele finalmente se visse livre da inércia sentimentalóide do Romantismo.
@eloesiopaulo
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