Esaú e Jacó

Há mais melancolia e menos ironia na história dos irmãos que se detestam

A invenção de um banqueiro espírita é talvez a ironia mais estridente plantada por Machado de Assis em Esaú e Jacó (1904), seu penúltimo romance. Nessa obra em que comparece como personagem o Conselheiro Aires, tido por alguns como uma espécie de alter ego, a “pena da galhofa” manejada por Brás Cubas cedeu bastante espaço à tinta da melancolia.

Aires, o memorialista do livro a que depois dará título, é aqui o observador de uma história que quase nada tem do espírito brincalhão das Memórias póstumas, contudo acentua o caráter sinuoso da narrativa. Aliás, em Esaú e Jacó os próprios jogos com a convenção literária dão lugar a sutilezas na elaboração da frase que parecem constituir, em passagens nas quais residem os pontos altos do relato, o grande interesse do narrador. “Quisera querer”, diz este, em sintaxe antecipadamente pessoana, para definir o estado de espírito de Batista, pai da heroína Flora, quanto às ambições políticas.

O enredo é bem menos interessante que outros criados por Machado. Os gêmeos Pedro e Paulo, filhos do banqueiro Santos e de dona Natividade, casal elevado ao baronato no apagar das luzes do Segundo Império, detestam-se, presumivelmente desde o útero
materno. Daí a alusão do título aos filhos de Isaac e Rebeca, que brigavam já no ventre da mãe. Os meninos ainda bebês, Natividade consulta uma vidente que lhes prevê futuro brilhante, porém insinuando a irremediável aversão mútua.

De fato, os temperamentos em tudo se opõem, e a discórdia cresce quando ambos se interessam pela bela Flora, definida pela mãe como “esquisitona” e por Aires como “inexplicável”. A “inclinação desencontrada” da moça é o grande motivo secundário do romance; Pedro e Paulo passam a disputar-lhe o amor, chegando à beira da inimizade e só se reconciliando quando Flora morre de uma doença indefinida – embora nem tão repentina quanto a de Eulália no Brás Cubas.

Mas a amizade dos gêmeos dura pouco, logo eles voltam a se detestar. À cabeceira da mãe já moribunda, depois de eleitos deputados por partidos adversários, prometem ser amigos. A inimizade congênita, porém, vence o interesse e as conveniências,
encerrando-se o relato com a clara projeção de que Pedro e Paulo sempre viverão em disputa.

O escasso interesse dramático da narrativa demandava mesmo que o escritor estivesse no auge da capacidade de cultivar as entrelinhas e as ironias discretas. Esaú e Jacó será um tanto chato até para os apreciadores de Machado – exceto os dispostos a garimpar as façanhas do narrador em termos de esmero estilístico e seguir seu agudíssimo olhar sobre a condição humana e as relações sociais.

Comentários

  1. Patricia de Oliveira17 de abril de 2020 às 14:45

    Que análise interessante, Eloésio!
    É assim mesmo. A arte da literatura imitando a vida.
    Já vi muitos e muitos casos reais de briga de irmãos por uma mulher. Às vezes chegando à morte de um deles. Apesar de não tão rara e profunda história e nem tão brilhante, um clássico! E somente por isso, vale a pena a leitura.

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  2. me deu vontade de ler novamente o livro! Obrigada por me despertar !

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