Cinco minutos


O prolixo Alencar estreou com uma narrativa sucinta

O escritor dos adjetivos em comboio estava ainda em gestação, e por isso o livro de estreia de José de Alencar tem um andamento narrativo ágil a ponto de reduzir-se, conforme a edição, a 40 ou 50 páginas. É verdade que as personagens secundárias são exageradamente esquemáticas e que o enredo se resume a uma história de amor na qual a tuberculose faz o papel de antagonista. Tais características tornam Cinco minutos (1856) boa uma surpresa para quem começou a conhecer Alencar por seus livros mais repolhudos, especialmente O guarani, que, mesmo datando do ano seguinte, é dificilmente lido com prazer hoje em dia.

Em carta a uma prima, o narrador de Cinco minutos resume a história de como se apaixonou por uma desconhecida vista no bonde e acabou indo à Europa, onde os dois se casaram. Carlota, que o amara à primeira vista, reluta em permitir que o amor de ambos se realize; o motivo é o fato de considerar-se condenada à morte. A tuberculose da moça, mencionada apenas por meio de perífrases, é um tributo do escritor iniciante ao sucesso de A dama das camélias, romance de Alexandre Dumas transposto para a ópera por Giuseppe Verdi.

Aliás, toda a poética narrativa do livro deriva dos folhetins franceses, com suas personagens idealizadas, diálogos declamatórios e enredos pontuados por peripécias inverossímeis, ou quase. Por exemplo, ao receber uma carta de Carlota avisando-o da iminente partida para a Europa o narrador esfalfa um cavalo até a morte e depois paga regiamente a um barqueiro que o levaria até o porto. Trabalheira inútil, pois não consegue embarcar no vapor em que Carlota viajava, tendo que esperar mais um mês. Ocasião semelhante havia proporcionado seu primeiro encontro com a amada, cujo rosto só consegue contemplar depois de semanas: por ter-se atrasado cinco minutos é que ele perdera o bonde, acabando por sentar-se no mesmo banco que Carlota.

A embrulhada sentimental – ninguém trabalha ou tem preocupações financeiras, é claro – termina com um beijo pedido pela moribunda heroína, que ao ganhá-lo começa imediatamente a curar-se da terrível doença.

Tal worksong para trabalhos de agulha é o primeiro passo da marcha que, ao longo de quase 40 anos, transformou José de Alencar no principal ficcionista romântico brasileiro. Está nela o germe do que viria a ser, nas escolas brasileiras do século XX, o terror das leituras obrigatórias na idade errada. Mas, no caminho que vai do bonde perdido ao beijo milagroso, ainda não tinham nascido as frondosas árvores repletas de adjetivos farfalhantes.


Eloésio Paulo              Instagram: @eloesiopaulo

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