A rainha dos cárceres da Grécia


Aventura ficcional de Osman Lins se encerra com obra estranhável

A progressiva incorporação do narrador ao próprio relato constitui o enredo em A rainha dos cárceres da Grécia (1976), último romance de Osman Lins. Apresentando-se como professor de Ciências, aquele se dispõe a escrever um ensaio sobre o livro de sua namorada Júlia Enone, morta ainda jovem. O título dessa obra, reproduzida em apenas 65 cópias mimeografadas, é justamente A rainha dos cárceres da Grécia.
O romance é construído em três níveis, o primeiro sendo o relato do desvendamento do livro de Júlia, cuja personagem principal é Maria de França, moça “parda e pobre”. Em Recife, ela passa longo tempo transitando entre infindáveis instâncias burocráticas. O objetivo dessa odisseia miserável é obter um benefício previdenciário. Mas a evidente referência ao universo de Kafka é apenas o ponto de partida para um labirinto especulativo no qual cada vez mais, aparentemente, o narrador se perde.
O que de fato ocorre é que o escritor vai construindo e desconstruindo, à vista do leitor, uma narrativa que só existe por meio de referências fragmentárias. Esse movimento chega a complicar-se a ponto de parecer que não haverá como reunir num conjunto tamanha variedade de segmentos textuais – pois ao discurso do narrador se incorporam passagens de diversas obras literárias, citações de teóricos, textos de jornal, paráfrases e muitos outros cacos de um objeto crescentemente estranho e indefinível.
Não é possível ler o livro sem considerar que, desde o ensaio Guerra sem testemunhas (1969), Osman Lins transitou da ficção pura e simples para uma refinada teorização sobre o lugar do escritor no mundo simbólico açambarcado pela indústria cultural. Avalovara (1973), sua obra-prima, já resultara dessa teorização, assim como da revolta de Lins contra o clima opressivo instaurado pelo regime militar de 1964. Mas aquele romance se constrói a partir de uma estrutura previamente dada, enquanto A rainha dos cárceres... se revela como impulso narrativo em busca da própria forma.
O ficcionista tem como motivo inicial escassos (ainda que interessantes) dados de dois enredos – as histórias de Maria de França e de Júlia Enone – e sai à procura de um entendimento da obra que se anuncia, cada vez mais, vizinha da perplexidade do narrador a respeito de si mesmo e do mundo. Não por acaso, no desfecho ele assume o discurso da loucura, já anunciado no fato de que a escritora e sua personagem são egressas de internações em hospícios. A loucura, por sinal, chegou a ser vista pelo teórico Osman Lins, em Guerra sem testemunhas, como a única posição existencial restante para um escritor lucidamente crítico.
@eloesiopaulo

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