A luneta mágica
Ironia redime o enredo um tanto óbvio nessa fábula moral
Os meios justificam o
fim em A luneta mágica, romance
publicado em 1869 por Joaquim Manuel de Macedo, um escritor de sucesso – para
os padrões brasileiros da época – desde A
moreninha (1844), seu livro de estreia. O desfecho contém uma lição de
sabedoria que hoje soa muito óbvia, mas a história de Simplício, narrador
afetado por uma dupla miopia, é conduzida com o invulgar talento que fez de
Macedo um modelo até para a esponja Machado de Assis, capaz de absorver todas
as qualidades e nenhum defeito dos escritores que lia.
Há nesse romance um
pouco da ironia depois considerada a marca registrada de Machado. Especialmente
na primeira parte, quando Simplício relata suas desventuras como usuário do
monóculo forjado por um feiticeiro armênio, entrevê-se divertida crítica aos
costumes e à política do Segundo Império: o narrador menciona zombeteiramente,
em várias passagens, a desonestidade e a falta de espírito público de
parlamentares e ministros. E o escritor sabe envolver essas críticas num
andamento narrativo que, embora amiúde estragado pela retórica e pelo idealismo
inevitáveis num romântico, consegue manter o leitor interessado no enredo.
Os capítulos curtos
contribuem bastante para isso. A primeira luneta vem redimir Simplício de sua
prática cegueira, agravada pela “miopia moral” que o fazia incapaz de opiniões
próprias, fosse sobre a beleza da prima e candidata a sua noiva, fosse sobre o
caráter das pessoas de seu convívio. Ao receber a luneta do esquisito bruxo, o
narrador torna-se capaz de ver as aparências, que lhe permite enxergar o mundo
como este também parece aos outros. O problema é que tal bênção tem como
contrapartida uma maldição: fixando a vista mais de três minutos num objeto,
Simplício passa a ter a “visão do mal”, que desvenda os aspectos negativos da
coisa ou pessoa contemplada.
Não resistindo à
tentação, ele se torna extremamente infeliz e acaba considerado como louco por
todo o Rio de Janeiro. Quanto à segunda luneta, inverte tudo, e então Simplício
torna-se o idiota da aldeia, enganado por todos os aproveitadores e convicto de
amar trinta e tantas moças – e de ser
amado por todas elas. Desesperado por saber-se vivendo em segundo grau a mesma
“miopia moral” com que nascera, o narrador decide matar-se. É quando intervém
novamente o armênio, dotando-o de um equilíbrio – fora o sermão quase
paulocoelhesco, mas pelo menos a cena é intencionalmente ridícula – que, pensa
o leitor, poderia muito bem ter sido dado no primeiro capítulo. Mas aí não
haveria história...
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